Curadoria: Ricardo Barbosa Vicente e João Serrão
Cartografias Transatlânticas reúne, na Galeria do Espírito Santo em Loulé, no âmbito da XXI edição do Festival MED, quatro artistas cuja ligação a Cabo Verde atravessa a distância e se afirma na escuta, na memória e na criação. Através de linguagens distintas — vídeo, instalação, pintura, cerâmica e som —, esta exposição propõe um percurso sensível entre territórios, identidades e narrativas partilhadas. Mais do que representar o arquipélago, os artistas aqui reunidos propõem formas de o sentir, de o revisitar e de o reimaginar.
Viver fora não é ausência, é extensão. Muitas vezes é na distância que se apuram os gestos de pertença. Os trabalhos apresentados constroem mapas afetivos e políticos, onde Cabo Verde emerge como presença em transformação — um espaço que pulsa nas vozes, nos corpos e nos gestos daqueles que o habitam de múltiplas formas.
Fidel Évora desconstrói a ideia de retrato com Fake Self-Portraits, onde rostos fragmentados e camuflados interrogam as formas como a identidade se constrói e se representa. Os seus trabalhos convocam silêncios históricos e deslocamentos, propondo imagens que não fixam, mas questionam.
Jacira da Conceição apresenta Oráculo dos Búzios, uma videoinstalação de evocação ritual, acompanhada pelas esculturas Aruanda, Abraço II e Lundum. No centro da sala, estas peças interrelacionam-se como numa dança de corpos. A cerâmica torna-se aqui gesto ancestral e memória viva, moldada entre gerações de mulheres africanas.
Amadeu Carvalho apresenta 50 Faces Incógnitas – Retratos de Ausência, uma série de rostos anónimos criados com pigmentos do vulcão do Fogo. São figuras que emergem entre o visível e o apagado, devolvendo espessura e dignidade às histórias por contar.
Carlos Noronha Feio encerra com Uma construção é feita de mais do que memórias dos antepassados…, uma instalação imersiva onde som e imagem se entrelaçam. O mar torna-se aqui arquivo vivo — espaço de trânsito, escuta e imaginação entre ilhas, memórias e possibilidades de regresso.
Estas Cartografias Transatlânticas expandem o território cabo-verdiano para além das suas fronteiras físicas, desenhando uma geografia feita de ecos, afetos e sobrevivências. Um lugar onde a arte é linguagem de reencontro.
[1984, Cabo Verde]
Artista plástico e designer é mestre em Animação Gráfica, pelo BAU Centro Universitário de Artes e Desenho de Barcelona. Um traço claramente influenciado pela arte urbana, graffiti e arte visual contemporânea, que acompanhou a evolução do artista. Mais recentemente, usa muito a serigrafia combinada com a pintura. Em 2011, expõe pela primeira vez uma obra sua numa exposição coletiva, nomeadamente Freedom’s Exhumation. Inspirado pela obra de Orlando Pantera, apresentou, em 2022, a exposição Oxi dretu, manham mariádu, com curadoria de Maria de Brito Matias, na Galeria Movart, que atualmente o representa.
[1990, Chão Bom, Ilha de Santiago, Cabo Verde]
É artista visual e investigadora colaboradora do CHAIA – Universidade de Évora, onde frequenta o Mestrado em Artes Visuais. A sua prática, enraizada na cerâmica e nas artes tradicionais cabo-verdianas, aborda temas como identidade, insularidade expandida, feminismo e auto-representação. Em 2009, viajou de bicicleta pelo sul da América Latina e viveu no Quilombo de Itamatatiua (Brasil), aprofundando técnicas cerâmicas afrodescendentes e o diálogo entre arte, oralidade e comunidade. Trabalha com cerâmica, têxteis e objetos encontrados, numa abordagem multitécnica centrada na natureza e no imaterial. Foi apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkian em diversos projetos, destacando-se Kabelu na Kordon (2022), que explora tinturaria e tecelagem em diálogo com práticas culturais cabo-verdianas. Em 2023, apresentou Tchom Bom no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa. A sua obra contribui para uma reescrita plural da história da arte a partir de saberes frequentemente marginalizados.
[1985, Cabo Verde]
Artista plástico cabo-verdiano, formado em Artes Plásticas pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Na sua prática artística, o artista cria uma linguagem visual envolvente, combinando técnicas de desenho e pintura e explorando o contraste entre cores, luz e sombra. O artista estreou-se com exposições individuais e coletivas, no ano de 2023, com A negrura em mim mancha, no Centro Cultural do Mindelo e Mandinga – Uma paródia mal contada no Centro Cultural de Cabo Verde. Já efetuou diversas residências artísticas nos países de língua portuguesa, de entre as quais em Cabo Verde, Portugal e São Tomé e Príncipe.
[1981, Portugal]
Doutorado em Filosofia, pelo Royal College of Art de Londres. Participou de diversas exposições coletivas e individuais e recebeu variados prémios, de entre os quais, o mais recente, no âmbito de uma residência artística no CNAD – Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design, em Cabo Verde (2022). Exposições mais recentes, incluem a individual Arkipélg, no CNAD (2023), e participações em exposições coletivas como ver no escuro, em Águeda, Portugal, e uma terna (e política) contemplação do que vive, no Museu Bienal de Cerveira. As suas obras refletem a sua contínua exploração e questionamento das dinâmicas culturais através da arte.